Todo mundo já sabe. Comprar pela internet quase sempre sai mais barato do que ir até a loja física. E essa é uma das razões para que mais de 60% dos consumidores brasileiros prefiram comprar online, de acordo com uma pesquisa da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes de Lojistas).
Na tarde da última quarta-feira (7/8), por exemplo, o combo Men Galbe (com colônia e desodorante) da loja O Boticário, localizada na estação Portuguesa-Tietê, em São Paulo, custava R$ 119. Na loja virtual da empresa, o mesmo produto saia por R$ 83,80.
Desde 2012, algumas notícias relacionadas indicam uma diferença de 25% entre os preços. Ao longo do tempo, os registros mostram certa tentativa de estabilidade. De uma forma geral, essa diferença já caiu para 15%.
Ao contrário do que muitos pensam, tal prática não é ilegal - até mesmo porque são empresas distintas, com registros jurídicos independentes. Entretanto, muitos consumidores ainda se mostram indignados com a falta de equiparação entre os canais.
Do outro lado, as varejistas se justificam dizendo que os critérios utilizados para precificação têm base no cálculo de custos e despesas de sua operação. Avaliações de mercado e de público-alvo também são consideradas, seja para a atuação no on-line ou nas lojas físicas.
“As empresas realizam diferentes combinações para definir valor para seus canais de venda e por isso, adotam políticas independentes para definir preços e promoções seja on ou off-line”, diz Thiago Rufino, especialista em vendas da consultoria Goakira.
A discussão não é uma exclusividade do varejo brasileiro. Há quase uma década, grandes nomes americanos tentam encontrar uma solução para o assunto. Há cinco anos, o Walmart e a Target anunciaram que pretendiam oferecer compatibilidade de preços entre as lojas física e on-line, e que essa ação reduziria os preços em até 9% no Walmart e 14% na Target. Fato é que a medida não avançou.
No Brasil, o presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, defende que os preços de produtos em lojas físicas e lojas virtuais precisarão ser equiparados no longo prazo. O desafio, no entanto, para essa equiparação, ainda é o nível de despesas associadas à operação de loja física.
Enquanto esse cenário não muda, fica a pergunta: quem está com a razão? Lojista ou consumidor? Consultamos três especialistas para entender como é possível se comportar diante de possíveis reclamações da clientela.
CONFUSÃO OU REALIDADE?
De acordo com Rufino, o próprio consumidor criou certa confusão de que os preços praticados em diferentes canais deveriam ser os mesmos.
A comodidade, a qualidade dos serviços, a possibilidade de comprar a qualquer momento do dia, noite ou madrugada, a variedade de produtos e o poder de alcance a outras lojas estabelecido pelos e-commerces têm convencido o consumidor de que as compras on-line são cada vez mais vantajosas.
Entretanto, esse hábito ainda deixa alguns consumidores receosos. Há o medo de que o produto não será entregue, o longo tempo de espera, possíveis defeitos, alto valor do frete, a falta de contato com o produto, entre outros obstáculos. Entretanto, mesmo deixando de comprar online, esse mesmo consumidor pesquisa na internet e muitas vezes reivindica que as condições sejam idênticas na loja física.
Por esse motivo, Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC, alerta que é importante deixar claro aos consumidores que os preços praticados são compatíveis com a realidade de modalidade. Na internet, por exemplo, há menos opções de pagamentos e diferentes condições de entrega, o que muitas vezes, torna a opção mais barata.
Além disso, Calife também destaca que é importante ser transparente em relação as compras virtuais sobre a cobrança ou isenção de frete, características do produtos e regras de troca e devolução.
“Não dá para falar em equiparação e custear isso eternamente pensando em fidelização. Os riscos são muito altos e o brasileiro precisa se adaptar ao novo varejo, que é multicanal", diz.
CULTURA DE PREÇOS
Estabelecer o preço de um produto nunca foi tarefa fácil e tem ficado cada vez mais complicada. Acrescentar uma margem de lucro aos custos de produção já não é o suficiente.
Com o avanço da tecnologia, vivemos um momento de hiperconcorrência. Na internet, há experiências de todo o tipo – o preço dinâmico, que muda de acordo com a situação; os vouchers oferecidos por aplicativos; e por exemplo, a autossegmentação que se serve de algorítmos para diferenciar clientes e preços.
Marcel Solimeo, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), acredita numa possível equiparação de preços no longo prazo. Além de atrair o cliente, ele acredita que a medida pode ser positiva para a organização operacional das varejistas.
Solimeo argumenta que trabalhar com a oscilação de preços é algo que está na raiz do comércio. Em um resgate cultural, ele cita a dinâmica dos bazares, das feiras-livres e das lojas de bairro, que negociam seus produtos e serviços caso a caso, de acordo com as condições de pagamento, período do mês e até mesmo a situação financeira do cliente.
Calife cita o caso da Amazon que é incansável na tentativa de desenvolver algorítmos que permitem enviar promoções relevantes aos consumidores. A empresa é responsável por metade das vendas feitas pela internet nos Estados Unidos e também é responsável por mudanças profundas no comportamento de seus competidores.
E SE O CLIENTE PEDIR DESCONTO, COMO O VENDEDOR DEVE REAGIR?
Munido de tantas possibilidades, muitas vezes, o consumidor se sente no direito de transferir as vantagens do mundo virtual para a loja física e quem acaba sendo pressionado é o vendedor.
Para Calife, esses embates ainda são resultado de uma questão cultural. Ações como a Black Friday, por exemplo, ajudam a educar o consumidor nesse sentido, na opinião do economista.
“Nessa data do ano, o consumidor entende perfeitamente que aqueles preços são válidos somente no e-commerce. Ninguém vai até a loja física cobrar equiparação”, diz.
“O brasileiro e varejo levaram tempo para entender a dinâmica da Black Firday. Acredito que o mesmo acontecerá com o entendimento da precificação distinta dos canais”.
Por outro lado, Rufino aponta que as varejistas precisam investir mais em treinamento para preparar seus vendedores sobre a melhor decisão a se tomar, que em sua opinião, pode variar de um caso para o outro. Nas palavras do especialista, o ideal seria sempre optar por cobrir o valor com a intenção de fidelizar o cliente. Do contrário, a loja estaria abrindo um precedente para a concorrência fazer o que ela não está fazendo.
Solimeo concorda. O economista cita que na maioria dos casos, o vendedor dispõe de uma margem para lidar com essa situação. Mas tudo precisa ser muito bem planejado pela parte administrativa e comercial da empresa. O cliente até pode ter essa impressão, mas a decisão final não pode ser do vendedor, segundo Solimeo.
O CLIQUE E RETIRE PODE MUDAR ESSE PENSAMENTO?
Na opinião de Rufino, o clique e retire é um grande trunfo na mão das varejistas. Nas palavras do especialista, ocorre que em geral, o varejo brasileiro não se capacitou em atendimento ao cliente e o consumidor tem cada vez mais preguiça de lidar com os atritos muito comuns das lojas físicas.
Enfrentar fila, processos burocráticos, buscar produto no estoque e a emissão de nota fiscal são alguns dos processos que mais afastam os clientes do ponto físico. "A internet é um autosserviço. Ganha quem souber combinar todos os canais", diz.
A EQUIPARAÇÃO TEM FUTURO?
Na opinião de Solimeo, é realmente uma questão de tempo para que os preços sejam unificados.
“O grande regulador do mercado é a concorrência e esse é o maior direito do consumidor. Ou as varejistas se mexem ou perdem vendas. E operacionalmente, a equiparação também faz mais sentido”, diz.
Rufino diz que independente da decisão de equiparação ou não, as estratégias de precificação precisarão ser revistas pelas varejistas nos próximos dez anos.
Com a evolução do conceito multicanal, fica cada vez mais difícil levar grandes fluxos para as grandes âncoras. Portanto, é preciso encontrar estratégias, como o upselling - técnica de vendas que incentiva o cliente a comprar itens mais caros do que ele busca ou produtos complementares à compra principal, que muitas vezes é realizada pela internet e retirada na loja, como o clique e retire propõe, opina o especialista em vendas.
Para Calife, não existe fórmula mágica – a grande tendência, na opinião do economista, está no investimento de um novo tipo de varejo que sabe executar bem a combinação do on com o off-line.
Além disso, ele alerta que o canal físico também traz vantagens para o consumidor, que precisam ser valorizados, como, por exemplo, a possibilidade do pagamento em dinheiro e a segurança de um produto em bom estado.
FOTO: Pixabay
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