O que empresas como Ikea, Nordstrom, Whole Foods, Natura e o Magazine Luiza têm em comum? Além de varejistas, claro, elas reinventaram seus modelos de negócio criando uma cadeia abastecedora tecnologicamente inteligente.
Mas, o principal é que equilibraram esses investimentos e avanços em tecnologia baseadas numa cultura interna de se transformarem cada vez mais em ótimos locais de trabalho, compartilhando dados para apoiar equipes e aumentando o empoderamento e a satisfação dos seus funcionários. Como consequência, aumentaram a conversão em vendas.
Em resumo: empresas com propósitos visionários e condutas mais éticas e transparentes com os clientes, que formam talentos em todos os níveis do negócio por meio de uma relação de confiança e incentivo, e com objetivos que vão além dos resultados financeiros, são três grandes insights que devem provocar profundos impactos no varejo.
Foi o que apontou o professor Juracy Parente, do Centro de Excelência em Varejo (FGVCev) e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) em sua palestra "Pessoas e Propósitos", apresentada no último dia 5 de fevereiro no seminário "Tendências e Perspectivas para o Varejo - Pós NRF 2020", na FGV.
Parente, que também é autor de um estudo sobre o tema, trouxe exemplos de grandes CEOs, como Satya Nadela, da Microsoft, e John Furner, do Walmart, ou da varejista de móveis sueca Ikea, para esmiuçar o assunto.
Nelas, o foco é praticamente o mesmo: nos clientes, ao equilibrar enormes volumes de dados a um consumidor que presta mais atenção nos valores e propósitos da empresa, ao mesmo tempo que ganha poder na rapidez de propagar experiências de compra nas redes sociais -, mas, principalmente, nas pessoas que se relacionam com os clientes.
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"Ao pesquisar antes na internet informações sobre os produtos, os novos consumidores empoderados esperam encontrar nas lojas profissionais que sejam profundos conhecedores do que vendem", afirma Parente.
Esses consumidores, em sua avaliação, querem esclarecer suas dúvidas e receber conselhos sobre a melhor decisão de compra. "Dentro desse cenário, o treinamento e o incentivo ao processo de contínuo aprendizado dos funcionários tornam-se fatores essenciais para ganho de vantagem competitiva", destaca.
Na Ikea, por exemplo, uma gigante que fatura US$ 45 bilhões por ano, tem 430 lojas e 220 mil funcionários em 52 países, que tem como visão e valores "criar um dia a dia melhor para muitas pessoas" ("to create a better everyday life for the many people"), foi desenvolvido um aplicativo para facilitar a flexibilidade de horários para os funcionários.
Nele, também é possível descentralizar processos para dar andamento ao dia a dia do negócio: funcionário consulta funcionário, atendendo suas necessidades aos padrões de tráfego na loja, de forma a agilizar e simplificar os processos.
"Lá, a intensidade tecnológica é sinônimo de funcionários empoderados", diz o professor da FGV.
CULTURA x PRODUTIVIDADE
Como transformar o varejista em ótimo local de trabalho e assim oferecer maior realização aos funcionários? Como reduzir a rotatividade e melhorar o atendimento ao cliente? Como aumentar o empoderamento e satisfação do funcionário?
Citando o exemplo do Walmart, que trouxe a questão "Porque empregos no varejo podem ser bons empregos?", as mudanças tecnológicas também trouxeram novos desafios para os colaboradores, além da desvantagem de aumentar a sua rotatividade.
A companhia, portanto, se empenhou em descobrir por que esse indicador era tão alto, e a retenção desse pessoal tornou-se uma prioridade maior. Com os indicadores em mãos, aumentou os salários, melhorou o treinamento dos funcionários e da chefia, e ainda deu mais flexibilidade na programação dos seus horários, entre outros benefícios.
Para estimular a satisfação e a confiança dos funcionários, foram adotadas práticas para facilitar esse processo, como definição clara e detalhada de métricas de desempenho, qualificação, horas de treinamento e autonomia para atingir metas, feedback instantâneo, transmissão frequente de valores e propósitos da empresa às equipes e criação de uma cultura de incentivo às chefias para serem receptivas e estimularem sugestões dos colaboradores, lembra Parente.
Os próprios millennials, consumidores e mão de obra cada vez mais influentes, também têm alavancando esse processo de empoderamento. No mercado de trabalho, valorizam mais a satisfação que o salário alto, preferem locais onde tenham mais autonomia, buscam propósito nas tarefas que executam e querem um diálogo franco com as chefias, atuando em empresas que encorajam iniciativa, aprendizado e perspectiva de crescimento profissional.
"Se há funcionários insatisfeitos, eles estimulam a insatisfação da equipe, gerando também a insatisfação dos clientes", alerta o professor. "E essa insatisfação dos clientes gera queda nas receitas, aumenta ainda mais a rotatividade, promove maiores custos de recrutamento, treinamento e, em consequência, menor produtividade."
Esse gap em produtividade, infelizmente, ainda é característico do varejo brasileiro. Como exemplo, ele cita a rede Sam's Club, que em suas lojas ao redor o mundo tem três vezes menos funcionários que no Brasil. Isso porque, cultura e produtividade são questões diferentes e, por aqui, o incentivo ao empoderamento da equipe ainda é limitado.
Em seu estudo, o professor lembra que varejistas afirmaram que a rotatividade de pessoal aqui no setor é bastante elevada, sendo que, em muitos casos, aproxima-se do índice assustador de 100% ao ano. Bem diferente dos 5% da Wegmans (rede de supermercados americana considerada uma das melhores empresas para trabalhar).
"A situação exige uma profunda mudança de paradigmas, que deve ser iniciada nos níveis hierárquicos mais altos e disseminada em toda a empresa", destaca.
A seguir, o professor detalha porque essa questão ainda não avançou totalmente nas varejistas brasileiras:
O senhor afirma várias vezes que essa questão do empoderamento dos funcionários do varejo no Brasil é muito deficiente. Por que boa parte até se esforça para investir em tecnologia mas não investe em pessoas?
Principalmente quando a empresa é pequena, há um toque pessoal na gestão, porque o próprio empresário está ali, à frente do negócio. Mas quando ela começa a crescer, também começa a aparecer uma certa diferença social e cultural. No Brasil em geral, os participantes que entram no varejo muitas vezes não têm o primeiro grau completo.
Com isso, existe um abismo de entendimento, de como o empresário está falando e se o funcionário entende ou não, devido à diferença social. É um processo que torna mais difícil essa relação. A diferença de renda, que também faz esse colaborador ganhar um ou dois salários mínimos, ajuda a criar distanciamento do empresário que o emprega.
Mas deve haver um meio de aproximar as duas partes, de criar um relacionamento.
À medida que empresa vai crescendo, e há uma dificuldade quanto à educação, passa a existir um certo abismo, em que a própria equipe mais de baixo, do chão de loja, não consegue ter a iniciativa de se comunicar. Assim como do próprio empresário, já que não é muito próprio dele querer visitar a loja, nem conversar. Num supermercado, por exemplo, em geral, ele fala com o gerente, mas passa batido dos repositores ou dos demais empregados.
Esse é um processo que tem que ser trabalhado, tem exige um esforço muito grande dos empresários para fazer reuniões com o pessoal de hortifrúti, por exemplo, mas não só com gerentes. Porque você vai descobrir muita novidade, coisas que em geral se esconde do gerente, da chefia direta.
Nesse caso, não poderia acabar gerando o efeito oposto, como algum tipo de penalidade para os envolvidos?
Isso tem que ser feito com condição de perdão. Com toda essa verdade que começa a emergir, o empresário deve estar preparado para relevar, ou então você não continua esse processo (de aproximação) nem sensibiliza as pessoas. Porque quem tem que dar o exemplo é o número um. É ele que tem que falar com os funcionários, com os operadores de caixa... Se ele se reunir com os colaboradores, o gerente também vai fazer isso, o encarregado vai fazer isso...
O exemplo é dado pelo presidente da empresa: apesar de ter uma rede com 100, 200 lojas, ele deve ter essa postura de conversar, de fazer um café com funcionários... Essa proximidade é muito importante, o pessoal se sente acolhido.
Há um jeito ideal de promover essa aproximação?
Claro que, para fazer tudo isso, em primeiro lugar a empresa tem que ter um propósito para os dois públicos-alvo. Quero o melhor para meus funcionários, porque não tenho que agradar só meus clientes. Não adianta agradá-lo sem agradar meu funcionário. Nessa dinâmica, quem vem primeiro é a equipe, porque é ela quem vai conquistar o cliente.
FOTOS: Thinkstock e Karina Lignelli
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