Em 19 de dezembro de 2008 foi publicada a Lei Complementar 128, que criou o Microempreendedor Individual, mais conhecido como MEI.
Trazendo inovações que os mais jovens chamariam de disruptivas no processo de formalização e na forma de pagamento dos tributos devidos por essa nova figura, a lei previu que produziria efeitos somente a partir de 1º de julho de 2009, tempo havido como necessário para colocar em operação na internet o Portal do Empreendedor, ferramenta de criação e de orientação para esse pequeno empreendedor.
O MEI, portanto, acaba de completar 10 anos se considerarmos os efeitos dessa lei, sem esquecer que – na verdade – o Portal do Empreendedor somente viabilizou a espinha dorsal do processo de formalização que existe até hoje, com pequenas variações, em fevereiro de 2010. Antes disso, a burocracia lutou bravamente para manter quase 40 telas que deveriam ser preenchidas para se conseguir a criação do MEI, tendo ainda esse quase herói que comparecer a uma Junta Comercial para entregar documentos.
Em função disso, o processo de formalização do MEI ficou praticamente paralisado entre julho de 2009 e fevereiro de 2010, bastando ver que nessa largada o ritmo de criação foi pífio. Hoje é de 1 milhão por ano, ou mais de 80 mil por mês.
A história do MEI, no entanto, começou cinco anos antes da lei, quando Guilherme Afif Domingos entregou ao então presidente Lula a proposta de criação dessa nova figura que, como ele sempre disse, “não cabia na lei” de então e merecia uma adaptação de figurino: a lei não podia continuar a desconhecer a realidade.
Foi criada então uma exceção às regras burocráticas que colocam o Brasil em vergonhosas posições nos rankings de ambiente de negócios e que sempre serviram para manter elevados os nossos índices de informalidade total ou parcial no empreendedorismo.
Hoje isso seria chamado, de forma mais acadêmica, de “sandbox” regulatório, ainda que no caso do MEI não tenhamos uma limitação temporal. De fato, a lei autorizou que determinados pequenos empreendedores atuem sem cumprir alguns requisitos impostos a todos os demais, observando certas restrições.
A capa do Diário do Comércio [veja na foto acima] que registrou a entrega da proposta por Afif em 2003 fixou o objetivo da iniciativa: “aqui estão nascendo 10 milhões de empreendedores”.
E passados quase 10 anos do início do processo de formalização, quase chegamos lá: são mais de 8,6 milhões, sem contar mais de 1,3 milhão que foram cancelados considerando longa inadimplência.
E se em 2003 fazia sentido falar em 10 milhões na informalidade, a soma de crises nos últimos anos e o desemprego estrutural que passamos a enfrentar levou isso ao número atual de 23 milhões trabalhadores por conta própria nessa situação em 2018. Se tínhamos três populações do Uruguai no mercado informal, hoje chegamos a quase sete.
Sem o MEI não teríamos sequer uma alternativa para dar cidadania e proteção social a esse enorme contingente que em sua maioria está empreendendo para o sustento próprio ou de sua família, como reconhece a recente Medida Provisória da Liberdade Econômica. Nesse caso, a liberdade de trabalhar e empreender é garantia para esses mais vulneráveis e não favor, apesar da crítica dos fiscos em geral sobre a necessidade de revisão dos chamados “gastos públicos”, quase uma bizarrice tratando-se desse universo de hipossuficientes.
Hoje, mais do que porta de entrada para a formalidade, o MEI é necessário para criar uma “marquise de proteção”, expressão também criada por Guilherme Afif, contra o excesso de burocracia e de visão romântica dos acadêmicos e teóricos sobre a realidade do empreendedor brasileiro. No nível da sobrevivência e da busca do próprio sustento é que devem estar as mais importantes políticas públicas de apoio, de proteção e de incentivo ao desenvolvimento.
Não é à toa que a inadimplência do MEI atinge hoje 54% dos inscritos (já foi de 70%), apesar do seu número ter crescido mais de 120% nos últimos 5 anos.
Como chamar de gasto público o regime do MEI se a inadimplência o faz perder os benefícios previdenciários? Como explicar essa inadimplência se não do ponto de vista de que há ainda um enorme espaço para aprimorar a política pública de apoio e incentivo?
De fato, mais de 70% dos MEI afirmam que a formalização contribuiu para que passassem a vender mais e melhorar as condições de compra, mas isso não tem sido suficiente para a sua sustentabilidade, considerando os elevados níveis de inadimplência com os reduzidos tributos devidos.
Nem mesmo terem faturado algo em torno de R$ 500 bilhões por ano, ou de 10% a 15% do PIB, indica necessariamente que haja resultado que sustente a continuidade da atividade do MEI. Não há crédito para esse segmento, por exemplo, entre outros desafios representativos, como a questão de abrir para os mesmos o enorme mercado de pequenos reparos do Poder Público.
O MEI possibilitou enormes avanços, mas deve ser aprimorado para contribuir no resgate dos mais de quatro milhões de inadimplentes alijados de cobertura previdenciária e de outros 23 milhões de informais que precisam sobreviver em melhores condições e ter chances de crescer. São hoje quase 500 atividades que podem se formalizar em diversos setores econômicos, inclusive mais recentemente na agricultura.
Uma visão interessante é iniciar um aprofundamento do olhar sobre cada segmento ou atividade. Como diz obra do IPEA, os pequenos negócios apresentam realidades bem distintas, “da baleia ao ornitorrinco”, e talvez nisso esteja a oportunidade e o caminho para que mudanças eficazes sejam introduzidas no sentido de que o MEI cumpra o papel para o qual foi criado: ser instrumento de desenvolvimento econômico e social para o País. Que agora precisa disso mais do que nunca.
FOTO: Arquivo DC
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