Quando saiu de sua cidade natal, Teerã, atravessando a pé a região desértica do seu país para fugir da guerra, o iraniano Navid Rasolifard Saysan, 47, não supunha que faria a vida do outro lado do mundo como comerciante de um produto que era tradição familiar: tapetes persas.
Para quem não ligou o nome à pessoa, Saysan recentemente protagonizou, como vítima, um episódio exaustivamente reprisado na TV e nas mídias e redes sociais, quando sofreu agressão policial no interior de sua loja, na capital paulista.
A intransigência de uma cliente, que motivou o abuso de poder, foi flagrada pelas câmeras de segurança e testemunhada por funcionários e visitantes. Agora, a conduta de ambos – policial e cliente - é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil.
Mas, para quem passou dias e dias andando para chegar à fronteira com o Paquistão em busca de apoio da ONU, o episódio é mais um aprendizado, como Saysan costuma dizer. "Estou feliz, pois fiz meu papel de cidadão ao denunciar", afirma.
Refugiado do conflito Irã-Iraque, nos anos 80, ele fez de tudo um pouco para ganhar a vida quando chegou ao Brasil, aos 18 anos.
Até tomar gosto pelo comércio ao trabalhar na Cleusa Presentes, em São Paulo -experiência que o motivou a abrir sua própria loja, a Tabriz Tapetes.
E foi em homenagem aos pais, “nascidos na região privilegiada e cercada de montanhas, florestas e muitos rios”, que Saysan batizou sua loja de tapetes orientais.
Por seguir uma tradição histórica e milenar, a cidade iraniana que o inspirou ainda é celebrizada por tecer “os melhores tapetes persas do mundo", como diz.
A memória afetiva do fundador da Tabriz, que relembrou as mulheres de sua família tecendo elaboradas tapeçarias nas horas vagas, para dar como presente de casamento ou simplesmente decorar a casa, ajudou a despertar –e pôr em prática - a iniciativa de montar o próprio negócio.
Localizada no Jardim Europa, bairro nobre da capital paulista, a loja de Saysan, que em 2016 completa dez anos de atividades, tornou-se, uma espécie de “butique” em seu ramo.
Tecidos em teares manuais no Irã, Tibete, Índia, Afeganistão, Nepal e até Minas Gerais, os tapetes que comercializa podem custar de R$ 1,5 mil a R$ 25 mil.
Saysan se envolveu tanto com o negócio que hoje a loja conta até com área de desenvolvimento de produtos, para criar peças personalizadas de acordo com “o que o cliente imaginar.”
Isso inclui padronagens diferenciadas, grafismos, estampas digitais, e até uma novidade que Saysan trouxe dos Estados Unidos e Europa e adaptou ao mercado brasileiro: o tapete modular.
“Tenho sempre um slogan: quero que minha marca vire um desejo de consumo”, afirma.
Parceiros do porte do estilista Alexandre Herchcovitch, do grafiteiro Fábio Biofa, e a participação em mostras e eventos como a Artefacto, Casa Cor e São Paulo Fashion Week fazem parte do currículo da loja, que também mantém uma filial em Campinas.
“Trabalhamos muito, mas hoje a Tabriz tem renome no mercado de decoração e arquitetura”, diz o iraniano, ainda com forte sotaque após quase 30 anos de Brasil, onde se naturalizou. E casou com uma paraibana, com quem tem duas filhas: “Eu ‘sou’ brasileiro, mesmo!”
EXPERIÊNCIA QUE FAZ A DIFERENÇA
Imagine viver sob tensão em uma cidade que, além das regiões onde se extraía petróleo, era um dos maiores alvos do bombardeio durante a guerra – Teerã, a capital do Irã. E sabendo que, ao terminar o segundo grau, o serviço militar era obrigatório.
Foi assim que Navid Saysan, assim como mais de um milhão de compatriotas que se refugiaram em outros países naquele período, decidiu mudar seu destino.
Após esperar dois anos para imigrar –ele ainda era menor de idade quando atravessou o deserto – Saysan chegou ao Brasil em 1987. Foi direto para Campinas, acolhido por uma comunidade Bahai – a religião de sua família no Irã.
Com o apoio, conseguiu regularizar documentos, ter aulas de português e arrumar o primeiro de seus diversos empregos no Brasil em uma fábrica de papel e celulose, em Mogi Mirim (SP). A formação como técnico em mecânica industrial, no Irã, ajudou.
Daí em diante, Saysan trabalhava onde surgisse vaga e foi parar na gaúcha Novo Hamburgo, onde também havia uma comunidade Bahai.
Ao chegar, empregou-se em um curtume e, buscando “coisas melhores”, conseguiu, por seis meses, estudar na faculdade de odontologia. Só parou de frequentá-la por questões financeiras.
Mas sua veia empreendedora já dava sinais quando montou uma assistência técnica autorizada de eletroportáteis com um amigo iraniano. “Durou só dois anos. E por pura falta de experiência nossa”, lembra, divertido.
Até que a atividade que selaria o seu futuro como empresário apareceu: outro amigo, imigrante mais antigo e mais experiente, ofereceu aos dois sócios alguns tapetes persas para comercialização.
Mas, sem muito dinheiro, nem experiência, não houve como fazer o negócio se tornar conhecido no mercado. “Acabou não dando certo de novo”, afirma. E Saysan decidiu voltar para São Paulo.
DECISÃO ACERTADA
Ao voltar, em 1996, Saysan pediu ajuda a outros amigos iranianos para arranjar emprego. E conseguiu, na famosa loja de decoração e lembranças de casamento Cleusa Presentes. Começou no estoque e, após um ano, acabou sendo transferido para o setor de tapetes.
Ao atender clientes, tomou gosto pela coisa: buscou informações sobre os tapetes persas que vendia, pesquisou as diferenças culturais para saber de qual tipo cada cliente preferia...
E ficou surpreso ao descobrir que o povo brasileiro gosta muito desse tipo de produto. “No Irã, a gente vivia no meio deles, mas nem imaginava que tinham um comércio tão amplo fora de lá”, diz.
Com a bagagem que ia acumulando, tornou-se um vendedor bastante requisitado. O gosto por lidar com o público, Saysan diz que adquiriu na Cleusa Presentes. E aprendeu com a própria dona.
“Ela começou de baixo só e chegou aonde chegou por valorizar tanto funcionários como clientes. E eu me espelhei no esforço dela (para empreender).”
Após seis anos na empresa, foi convidado a administrar e gerenciar um dos maiores atacadistas de tapetes de São Paulo. Sua experiência ajudou a expandir as vendas.
“Se chegava alguma importação, eu sabia qual tapete mandar para tal estado, conforme cada cliente gostava”, lembra.
Quando decidiu que era hora de abrir sua própria loja, comunicou ao patrão, que aceitou que ele continuasse trabalhando de dia e tocasse sua própria empresa depois do expediente.
Finalmente, em 2006, inaugurou a pequena Tabriz Collection na esquina da Joaquim Eugênio de Lima com a Al.Lorena, com apenas dois funcionários. Fechava o atacadista às 18h, e depois ia pra loja fazer reuniões com vendedores até às 20h.
Nos seis anos seguintes, e já casado, sustentou a família com o salário do atacadista. “O que entrava na Tabriz, eu revertia em benfeitorias para a própria loja”, conta.
Aos poucos, o nome foi ficando conhecido no mercado através dos parceiros e do boca a boca dos clientes, Mas, como a pequena loja não comportava mais tantas novidades e tanta procura, Saysan conversou com a equipe e decidiu arriscar.
“Foi tudo ou nada: alugamos o imóvel, saí do meu emprego, e em 2013 mudamos definitivamente (para o atual endereço, na Av. Brasil)”, conta. A decisão foi acertada. “O movimento praticamente dobrou”, afirma.
E A CRISE?
Questionado se a recessão afetou os negócios da Tabriz, Saysan diz que “crise é algo psicológico”, e se o empresário parar para ficar pensando nela, o movimento cai.
“Se eu tinha um cliente que comprava R$ 20 mil por mês e agora compra R$ 2 mil, é preciso achar outros dez iguais a ele para suprir. Precisa muito trabalho, e a cada hora do dia, correr atrás.”
Mesmo assim, ele projeta repetir o crescimento menor de 2015 da Tabriz, de algo em torno de 10% a 15%, em 2016. Desconversa quando o assunto é faturamento.
“Sei que dá para pagar as contas e sobreviver, mas quem cuida do financeiro é minha esposa”, diz, entre risos.
A estratégia para tentar manter esse resultado será promover ações em cima do aniversário de uma década da Tabriz, por meio da participação em eventos ou ações promocionais a cada mês. A ideia é fortalecer o relacionamento com arquitetos, designers e clientes.
Desde o ano passado, porém, as coisas têm sido mais difíceis, e a loja teve que se adaptar ao momento readequando custos de operação. Também foi preciso diminuir o total de colaboradores de 21 para 12, já que as vendas tiveram queda de cerca de 30%.
Mas, como Saysan mesmo diz, não dá para fracassar, já que, além dele, há 12 funcionários que dependem da empresa para “levar o sustento para suas famílias.” E recorda sua postura quando estreou no comércio, para explicar como pretende atravessar o atual momento.
“Quando saí do Irã pelo deserto, não tinha nada em volta: passei sede, andei a pé, fiquei no sol sob um calor de 45, 50 graus, com o vento batendo na areia... Você sofre, mas não dá para chorar, largar no meio e voltar para casa: tem que continuar. Sempre.” Aos empreendedores, fica a dica.
Fotos: Willian Chaussê
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