A transformação digital é uma realidade, mas falta muito para ela se concretizar no varejo brasileiro. Entender o que vem antes do cliente, antecipa a inovação - e já é meio caminho andado para sair na frente
O consumidor brasileiro já é digital: ele fica mais horas por dia na internet (nove) do que o dos Estados Unidos (seis), um mercado muito maior e mais maduro que o nosso. Ele responde por 45% das compras online, 77% deles têm celulares e 55% pesquisam online antes de comprar na loja.
Seus hábitos de compra também são cada vez mais digitais em praticamente todas as categorias do varejo, de eletroeletrônicos a livros, onde 20% já são de vendas click-and-colect (retirada da compra feita pela internet na loja física). Mesmo assim, o Brasil está significativamente atrás dos mercados desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e China na adoção do canal online.
"O digital não é mais o futuro. Ele já acontece no varejo nos mais diferentes níveis", afirmou Heloisa Callegaro, sócia da empresa global de consultoria em gestão McKinsey, em painel apresentado no recente fórum de varejo Brazilian Retail Week (BR Week), realizado na capital paulista. "E quem estiver com a maior fatia do bolo se dará melhor", completou, citando dados do relatório Digital Insights.
Alguns fatores impedem que o mercado amadureça no Brasil, segundo a consultoria. Entre eles, menor penetração de internet, maior custo logístico, menor maturidade da cultura de e-commerce e de modelos diferenciados e, claro, a onipresente complexidade fiscal e tributária.
Mas há jeitos de ultrapassar essas barreiras para promover a transformação digital na empresa independentemente do porte, e o principal é o foco no "client-centric", ou o cliente no centro de tudo.
De acordo com Igor Goulenko, também sócio da McKinsey, que participou do painel, é preciso entender o comportamento do consumidor para criar uma jornada de compra condizente. Tudo dentro de uma visão omnichannel, ou seja, de integração total entre os canais físico e digital.
Isso inclui uma precificação dinâmica, em tempo real, além de oferecer promoções personalizadas, criativas e interessantes no momento certo. "Não é resolver tudo, mas tentar pensar na prioridade desse cliente antes da oferta, de maneira simples, fluida e sem fricções."
Também é preciso alinhar o negócio de acordo com uma extensa análise de dados para criar programas de fidelidade, baseada em quatro tendências: Big Data e Advanced Analytics, mobile/redes sociais, personalização e pagamentos via smartphones, segundo Goulenko.
Essa análise de dados somada ao sortimento ilimitado e possível de acessar através do celular, ajuda a entender o que realmente importa para o consumidor, segundo Heloisa Callegaro.
"Também é possível criar um estoque mais inteligente e uma verdadeira curadoria de produtos, com aplicativos que ajudam a refletir níveis de personalização nos ambientes on e offline", disse.
Os executivos da McKinsey listaram alguns fatores de sucesso das empresas que já são consideradas digitais. Entre eles, estão:
* Definição clara e ambiciosa dessa estratégia, baseada em comprometimento e estímulos da liderança;
* Pensar o digital como transformação, e não somente como iniciativa;
* Ser realmente client-centric para guiar a organização, os processos e as atividades do dia a dia;
* Pensar e agir de maneira rápida e ter uma mentalidade de experimentação;
* Monetizar totalmente os dados, com ferramentas que implementem inteligência no PDV;
* Desenvolver uma arquitetura de velocidades baseada em nuvem, APIs e microsserviços;
* Criar um novo conjunto de capacidades/habilidades em funções digitais.
Tahir Hussain, consultor global de varejo digital da McKinsey e executivo da divisão Amazon Prime, afirmou que só dessa forma as empresas serão cada vez mais relevantes para o consumidor, que dificilmente irá abandoná-la, trazendo excelência a esse relacionamento.
HELOISA, HUSSAIN E GOULENKO: OUTRA MENTALIDADE
"Mas primeiro é preciso mudar o mindset de dentro para fora. Esse sim é o verdadeiro fator de sucesso de uma empresa digital", afirmou.
O EXEMPLO DA GIGANTE
Experiência do cliente, otimização do sortimento, preço e promoções, disponibilidade de entrega e programas de fidelidade.
Baseada nesses elementos, mas com foco num produto minimamente viável, em priorização (vendas só pelo celular, e para membros exclusivos), implementação prática (em Nova York), transparência e um acordo prévio entre as partes, a gigante do e-commerce Amazon conseguiu entrar para o serviço de entrega de alimentos, oferecendo o serviço da forma mais cômoda e rápida possível (entrega em uma hora).
Esse foi um dos principais exemplos apontados pelos especialistas da McKinsey na palestra da BR Week para mostrar uma verdadeira transformação digital de sucesso com foco exclusivo na experiência do cliente, além da integração total de áreas e canais de atendimento.
Com 50 equipes e serviços envolvidos, a Amazon conseguiu lançar o serviço em menos de 110 dias, da ideia, à prática. E através da parceria com supermercados, a consequência natural foi uma rápida expansão do serviço - em lugares como Singapura, por exemplo.
Hoje, essa área é um dos maiores motores de expansão do grupo, menos de quatro anos após o lançamento. E sem investir bilhões e bilhões de dólares na transformação, segundo Tahir Hussain.
É claro que quase nenhuma varejista tem o cacife da empresa de Jeff Bezos para provocar tamanha transformação no próprio negócio - e se tornar líder em digitalização e a maior empresa global em valor de mercado, que subiu de US$ 17,5 bilhões, em 2008, para US$ 829 bi, em 2018.
Mas a Amazon - a que hoje tem a "maior fatia do bolo", conforme citação anterior de Heloisa Callegaro -, tem uma visão que pode ser aplicada por qualquer empresa. "Ela não entende só o consumidor, mas o que vem antes dele. E antecipa a inovação", diz Hussain.
FOTO: Thinkstock, Divulgação BR Week / Arte: William Chaussê