Um dos mais longevos executivos à frente de uma companhia no Brasil -está na presidência da Alpargatas desde 2003-, Márcio Utsch, de 57 anos, abrirá nesta quarta-feira (05/10) o FE4 Fórum Empreendedor, promovido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A escolha do palestrante não poderia estar mais sintonizada com o tema central do fórum -Vencendo a Crise.
Os resultados recentes da centenária Alpargatas comprovam isso. No ano passado, a companhia obteve uma receita líquida de R$ 4,1 bilhões -16,6% superior à de 2014. O lucro bruto cresceu 21,2% no período e atingiu R$ 1,8 bilhão.
Tais resultados positivos estão replicando neste ano. No segundo trimestre deste ano, último balanço divulgado, mesmo com o aprofundamento da recessão no país, a receita líquida cresceu 8,4% e o lucro bruto, 13,7%.
"Nosso diferencial é este: ter construído marcas para sobreviver na crise e fora da crise. Estamos sempre preparados para os solavancos do mercado", sintetiza Utsch. Além das sandálias Havaianas e Dupé, os carros-chefe da companhia, a Alpargatas produz e distribui as marcas Osklen e Mizuno. Também possui uma operação de outlets, o Meggashop.
Ele gosta de lembrar que em 2015 a Alpargatas era a terceira empresa entre os fabricantes de calçados e chinelos com faturamento de R$ 900 milhões. Hoje é a líder do setor de têxtil, couro e vestuário com uma receita mais que duas vezes superior à dos concorrentes frontais.
Em sua palestra, Utsch vai relatar como a companhia transformou uma marca popular de sandália, a Havaianas, em um produto de moda.
Seu poderoso trunfo foi ter conseguido o que nenhuma outra empresa nacional obteve até hoje -estabelecer com sucesso no mercado mundial a primeira marca brasileira de consumo de massa.
A Alpargatas transformou sua Havaianas numa espécie de ícone do flip flop, como a sandália é conhecida lá fora.
Graças a um engenhoso programa de relações públicas e eventos que resultam em visibilidade do produto na mídia e, claro, inovações constantes, as sandálias passaram de item popular a acessório de moda. Vendida em 104 países, a marca responde por 56% do faturamento da Alpargatas.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o peso da operação internacional no faturamento da companhia?
Há duas maneiras de ver isso. A participação do mercado externo no faturamento da companhia é de 41%. Do total da receita, 59% são de reais e 41% de outras moedas, como dólar e euro. Uma parcela provém de operações lá fora, como a (subsidiária) da Argentina.
O que produzimos aqui e mandamos para fora é de cerca de 20%. É baixo, poderia ser maior. A produção e venda lá fora entram na receita internacional, não como exportações. A marca Havaianas, produzida somente no Brasil, corresponde a 56% do negócio.
Até que ponto as vendas externas de Havaianas contribuíram para blindar a companhia da crise?
Mil por cento. Uma sandália básica que custa entre R$16 e R$18 em supermercado por aqui, é vendida entre 22 e 25 euros na Europa e 18 e 22 dólares nos Estados Unidos. A participação no mercado internacional é muito importante porque gera receita com margem muito maior do que no Brasil.
Tão importante quanto isso diz respeito ao posicionamento da marca. Havaianas são vendidas em 104 países e é comum ouvir de brasileiros que encontraram nosso produto na França, na Alemanha, nos Estados Unidos e na China.
O fato de a marca ser reconhecida nos principais pontos de vendas de países do primeiro mundo confere uma solidez muito grande, com repercussões aqui e lá fora.
O que a Alpargatas faz para assegurar crescimento contínuo, mesmo durante a recessão?
Comparado ao segundo trimestre de 2015, os volumes de sandálias cresceram 18.1% neste ano com as vendas de 55,3 milhões de pares neste período. Qual a mágica? Temos uma política de valorização de marca muito forte.
Quando se fala em marketing, o que vem à cabeça são anúncios veiculados em televisão e revista. No nosso caso é muito mais: é trabalhar o ponto de venda, reforçar a equipe de inovação. Isso faz com que a marca esteja sempre pronta para enfrentar uma crise. Jamais cortamos investimentos de marketing, pesquisa e inovação, que correspondem a 12% do faturamento anual.
Acredite: nenhum marketing, por mais competitivo que seja, suporta um produto ruim. Acreditamos piamente que quanto mais se desenvolve um produto coerente, preço justo e boa distribuição é fator de sucesso. E quando mais se divulgar isso, melhor será. Com isso desenvolvemos um mercado internacional muito forte.
Sempre acreditamos que balanço tem de ser bem feito e estruturado, que haja dinheiro para investir e nos permita passar sem preocupações por crises econômicas. Também acreditamos no desenvolvimento de pessoas.
Estamos sempre mandando gente para fora do Brasil, treinando nos escritórios e nas fábricas. Temos acordo com a Ise, instituição espanhola. dos 10 diretores da alpargatas 5 foram promovidos aqui dentro.
E a economia, vai melhorar?
Acredito que o mercado interno vai se recuperar. Mas a situação macroeconômica é muito ruim. Por que? Lá atrás começou a se fazer um programa de distribuição de renda, em vez de investimento. Distribuir salário não deu certo em país nenhum, vira populismo.
O que teria de ser feito, como eu disse em 2003? O fomento do governo deveria ter sido dirigido para a indústria e a infraestrutura. O país só cresce com indústria forte. É só dar um giro pelos países mais desenvolvidos, como Alemanha, Japão e Coreia para comprovar isso. Perdemos a oportunidade de ter investido no viéis correto.
No caso da indústria seria o fomento para a compra de máquinas e equipamentos e novas fábricas para tornar o país mais competitivo. Enfrentamos hoje uma crise no mercado interno. Uma parte se deve à indústria porque não se modernizou e os produtos são caros.
O que seria o ideal? Com o mercado interno parado seria necessário vender lá fora. Ocorre que as exportações não crescem porque a maioria de nossas indústrias é raquítica. Exportamos somente commodities. As exportações de manufaturados vem caindo drasticamente ao longo do tempo. É inacreditável esse arranjo que nos levou para um buraco terrível.
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