Pesquisadora de Harvard desmistifica crenças do mundo corporativo com ideias surpreendentes sobre linguagem corporal. E balança o conceito de primeira impressão
Ser preterido numa concorrência ou numa seleção de emprego costuma ser pior quando julgamos estar muito mais bem preparados que o concorrente vencedor.
A pergunta fica rondando na cabeça: "Fui tão competente, o que fez aquela pessoa deixar o selecionador mais impressionado e me superar?"
Qualquer empreendedor conhece o valor da primeira impressão – trata-se de uma questão crucial para quem precisa prospectar e fechar negócios.
O tema sempre intrigou a americana Amy Cuddy, psicóloga social da Harvard Business School. Entender os mistérios do primeiro contato entre as pessoas se tornou o seu universo de pesquisa.
No novo livro de Cuddy, o bestseller Presence (ainda sem edição em português), ela vai além das suas pesquisas anteriores sobre linguagem não verbal ou corporal para entender como exatamente fazemos julgamentos.
É verdade, levamos segundos para avaliar alguém e cristalizar uma imagem que dificilmente será alterada por contatos posteriores. A surpresa fica por conta do que aciona nossa percepção positiva.
Segundo a pesquisadora, em fração de segundos fazemos duas indagações diante de alguém desconhecido – se é confiável e se merece ser respeitado. Fez pose de poderoso? Tentou parecer assertivo e um expert no assunto em pauta? Nada feito.
Antes de tudo, o cérebro está atrás de indícios de confiabilidade – empatia, postura relaxada, espírito desarmado, autenticidade e, principalmente, a verdadeira cordialidade.
Para nossa memória primitiva vinda das cavernas, antes de saber se alguém consegue acender um fogo, queremos ter certeza que não está com intenção de nos cortar a cabeça.
Com isso, derruba-se o mito tão cultivado no ambiente corporativo atual de que a competência está acima de tudo, revelam as pesquisas de Cuddy.
Instintivamente, ainda pegamos mal com o profissional estilo trator ou com aquele que exibe uma autoconfiança à prova de enxergar ou escutar o entorno.
No entanto, também fica em desvantagem a pessoa mais preocupada em mostrar–se uma boa profissional para compensar uma timidez, introversão ou um sentimento de inadaptação.
São situações que afetam tipicamente as mulheres, ainda carentes de experiência de dinâmica de poder.
Em resumo, mesmo que a competência seja o requisito número um para a contratação ou promoção de alguém, ela só será levada em conta se houver uma faísca de confiança para dar a liga.
Se não for assim, a competência deixa de ser um dom para ser vista como ameaça, explica a pesquisadora.
COMO MUDAR A PRIMEIRA IMPRESSÃO
Amy Cuddy poderia ter parado aqui, mas, por experiência própria, entendeu que suas pesquisas tinham potencial para fazer uma enorme diferença para muita gente e resolveu ver o outro lado da questão.
A todo momento, deixamos e recebemos primeiras impressões. Mesmo que seja uma conclusão precipitada e infundada, prevalece. São processos mentais, mas também estão associados a processos fisiológicos.
Simplificando ao máximo, por trás desses mecanismos de atração-rejeição, estão dois hormônios. A testosterona está associada à capacidade de se sentir poderoso e confiante; o cortisol explica a sensibilidade ao stress e os pensamentos negativos sobre si próprio.
Ambos funcionam como uma gangorra. A prevalência em uma das pontas causa a má impressão e a rejeição. Dois exemplos exagerados seriam a caricatura de macho alfa e o derrotado por antecipação. Consegue a melhor impressão quem fica mais perto do ponto de equilíbrio.
Diante dessas constatações, a psicóloga se fez as seguintes perguntas: se nossa mente afeta nosso corpo, a ponto de interferir na fabricação dos hormônios, nosso corpo pode mudar nossa mente? É possível controlar a linguagem corporal para parecer confiante e conseguir ter uma transformação de fato?
Ela partiu para testes simples de poses fingidas, para saber se era possível forçar a subida da testosterona e a queda do cortisol. Fez pessoas comuns adotarem por alguns minutos posturas de gente poderosa e super confiantes – como a pose da Mulher Maravilha, o peito estufado de um Donald Trump, os pés em cima da mesa, típico de quem se acha.
Em seguida, fez mais dois testes. Mediu a reação de outras pessoas a essas poses – a maioria torceu o nariz e rejeitou o ar de pavão.
Em seguida, colocou a própria pessoa em uma situação de se expor, como uma palestra ou uma conversa de trabalho – e elas tiveram uma a atitude mais confiante que impressionou positivamente.
Para Cuddy, isto mostrou que o fingimento havia influenciado as taxas dos dois hormônios. A pose de poderosa fez subir a testosterona, baixou o cortisol e melhorou a autoconfiança. A linguagem corporal havia moldado a mente.
Amy Cuddy defende no livro e em palestras que este truque - dois minutos de exercícios nessas poses, feitos em lugar privado - seja ensinado a todo mundo que enfrenta situações de desvantagem ou estressantes na vida.
A ideia parece muito simplista, mas foi definida pelo jornal inglêsThe Guardian como capaz de transformar a vida de muita gente.
O conceito está explicado em uma palestra emocionante do projeto TED Talk, que se tornou uma das mais assistidas, com mais de 33 milhões de visualizações até início de maio de 2016.
Isto poderia tornar a pessoa uma fraude? A autora defende como não deixar isso acontecer: “Não finja só até conseguir parecer confiante; finja até se tornar realmente confiante.”
O que isso tem a ver com vencer concorrência ou fazer negócios? Uma pequena lição. Não abra mão da competência, mas lembre que antes dela vem a confiabilidade – segundo a psicóloga de Harvard, o olho no olho e a cordialidade podem ser mais decisivos para conquistar um contrato que aquele maravilhoso Power Point.
Imagem: Thinkstock
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