A recessão histórica que o país enfrenta teve impacto em um setor que representa cerca de 10% do PIB brasileiro. O varejo deve sair da crise mais concentrado, sólido, maduro, austero em relação a investimentos e seletivo em oferta de produtos e canais de vendas.
Para ter esse perfil, o setor passou - e ainda passa - por maus bocados. Há um ano e meio, os varejistas enfrentam queda abrupta de vendas e rentabilidade, fechamento de lojas, demissões, readequação de linhas de produtos e mudanças drásticas em seus planos.
Nesse processo, o pequeno comércio saiu perdendo. Aumentou a concentração de pontos de venda nas mãos de grandes redes, mais estruturadas e com condições de oferecer crédito ao consumidor. Há fortes indícios de que cresceu a informalidade no varejo.
E tudo isso porque, de 2004 a 2014, a chamada década de ouro, os varejistas se concentraram na expansão de número de lojas, regiões e canais de vendas. São estratégicas que costumam tirar o foco nos resultados, elevando o nível de ineficiência das empresas.
Mas a crise já mostrou um efeito positivo. Desencadeou um "processo de seleção natural da espécie", promovendo um choque de austeridade, eficiência e produtividade nas empresas.
É assim que Marcos Gouvêa de Souza , fundador e diretor-geral da GS&MD, uma das mais conhecidas consultorias de varejo do pais, observa o setor atualmente.
Prova de que o varejo brasileiro já passou pela fase mais dura do processo de reestruturação, mesmo que "na marra", diz ele, é que os fundos de investimento estrangeiros que operam no setor voltaram, há dois meses, a olhar oportunidades de negócios por aqui.
O maior interesse desses fundos, de acordo com Gouvêa de Souza, está nos setores menos concentrados, como farmácias, material de construção, vestuário, alimentação fora do lar e e-commerce.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
SOBRE AS SEQUELAS DA CRISE...
O consumidor que havia atingido o paraíso percebeu que teria de voltar para o purgatório, ainda que momentaneamente. Para quem viajou de business class, voltar para a classe econômica é doloroso.
Além de trazer sentimento de perda grande, frustração, a adaptação se faz na base de concessões, comprando menos quantidade, mudando de marca, de loja, o que compra e a frequencia.
Como consequência, o varejo enfrentou grande dificuldade porque foi pressionado pelo mercado, que encolhia, e por custos, que subia.
As sequelas são redução de vendas e rentabilidade, adequação de quadro de funcionários, redução do número de lojas e linhas de produtos e revisão de estratégicas de multiplicação de canais.
O fechamento de pontos de vendas em 2015 equivale ao número de lojas de todos os shoppings no Brasil - 100 mil. O pequeno comércio seguramente foi o que mais sofreu e também aumentou a informalidade no setor.
EFEITO POSITIVO DA RECESSÃO
Houve um processo de seleção natural de espécie. O varejo que sobreviveu é um varejo mais concentrado, sólido, austero em termos de investimentos, mais maduro e muito mais seletivo em relação a produtos, canais de vendas e meios de promoção.
FECHAMENTO DE LOJAS
Se ocorrer mais fechamento de lojas não será mais endêmico como foi no último um ano e meio, pode ser pontual, porque as empresas ainda estão fazendo ajustes. A rede de drogarias Onofre, por exemplo, declarou que vai fechar lojas.
Neste processo, de forma geral, o varejo faz uma análise mais profunda da rotação de produtos, da rentabilidade e da demanda.
A Lojas Americanas andou fechando loja no ano passado. Se acontecer de fechar mais é porque tem alguma questão envolvendo negociação de ponto, por exemplo.
COMÉRCIO DE ELETROELETRÔNICOS
Esse setor vai ficar muito mais concentrado. As empresas estão retrabalhando o próprio modelo para incorporar na linha outras opções de atuação, integrando com o digital, como o marketplace.
Além de tudo o que aconteceu com o mercado, esse setor sofreu muito por conta da internet. As empresas estão repensando o que colocar na loja física para manter a atratividade.
A loja física está sendo repensada para ver o que ela pode incorporar para que continue atraente num cenário em que em um toque de dedo tem mais oferta, experiência, preço e conveniência.
FUNDOS DE INVESTIMENTOS NO BRASIL
O setor de maior atratividade dos fundos de investimento são os menos concentrados, menos consolidados, como farmácias, material de construção, vestuário, alimentação fora do lar e e-commerce.
No segmento de pets, por exemplo, o fundo de investimento que está na rede Petz (Warburg Pincus) percebeu que tem condições de crescer muito ainda, até porque, apesar da crise, a retração nas vendas não foi tão grande assim.
Os fundos que estão no setor de consumo em geral, que tinham puxado o freio, já estão olhando o Brasil com outros olhos. Voltamos a receber pedidos de análise de perspectivas depois de dois anos parados.
E eu tenho dito para eles que está na hora de voltar para o mercado brasileiro por três motivos principais: o país está barato, tem potencial e alguns dos mercados internacionais, como o europeu, estão sofrendo muito e com perspectiva de longo prazo muito mais complexa do que a nossa.
RETOMADA DO CONSUMO
Prefiro falar em propensão para consumir. O poder aquisitivo volta quando aumentar o emprego e a renda. Agora, a propensão para consumir volta quando aumenta a confiança e o crédito.
A confiança já começou a retomar, e o crédito está disponível, ainda que caro e em processo de concessão mais rigoroso.
Na medida em que se distende o mercado, o processo de concessão pode ser flexibilizado e, do lado do tomador, há o aumento da confiança. Isso eleva a propensão para o consumo.
Acredito que, passado o impeachment, vamos ver alguns elementos ligados à confiança e, eventualmente, ao crédito sendo alterados e podendo suscitar uma leve retomada.
Aquela pessoa que não queria nem sair de casa para ver vitrine vai começar a sair e ficar mais estimulada a consumir, ainda que não tenha tido uma recuperação real da renda.
DICAS PARA O PEQUENO VAREJO
O pequeno comércio tem grande virtude em relação ao médio e ao grande. É mais ágil e flexível, e isso tem de ser explorado no limite numa situação como essa.
É preciso criar alternativas, promoções, métodos novos, sair fora da caixa permanentemente e, mais do que nunca, neste momento.
Em vez de tentar ganhar o jogo sozinho, integrar-se para ganhar acompanhado. Integrar como rede de negócios, compras conjuntas, racionalização de custos conjuntos.
Estamos vivendo uma era que chamamos de eco sistemas competitvos. O cenário competitivo global é tão dramaticamente diferente do que foi no passado, que até as maiores corporações do mundo estão buscando criar esses ecossistemas.
A P&G, por exemplo, está montando uma rede de lavanderia e lava rápido com a marca de produtos da empresa por meio de franchising. É uma forma pela qual as empresas integram e criam um ecossistema competitivo.
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